OS SEPULTAMENTOS NA FREGUESIA DE IGUASSÚ


Antônio Lacerda de Meneses

Desde o período medieval, surgiu na Igreja Católica a tradição de enterrar os mortos dentro da igreja. A origem está na crença de que o morto só res­suscitaria no Juízo Final, se possuísse uma sepultura ad sanctos, ou seja, pró­xima à imagem de um santo ou mártir. Nas Constituições Primeiras do Arce­bispado da Bahia, documento que a norteou a Pastoral da Igreja no Brasil até o fim do século XIX, encontramos no Título LIII, artigo 843: "É costume pio, antigo, e louvável na Igreja Catholica, enterrarem-se os corpos dos fieis Chrístãos defuntos nas Igrejas, e Cemitérios delias: porque como são lugares a que todos os fieis concorrem para ouvir, e assistir as Missas e Officios Divinos, e Orações, tendo a vista as sepulturas, se lembrarão de encommendar a Deos nosso Senhor as almas dos ditos defuntos, espe­cialmente dos seus, para que mais cedo sejão livres das penas do Pur­gatório, e se não esquecerão da morte, antes lhes será aos vivos mui pro­veitosos ter memória delia nas sepulturas".
Nos testamentos notamos a preocu­pação em preparar à Alma para o Juízo Final. Os testamentos eram registrados nos livros de óbitos das freguesias. Até a República, todos os registros da vida civil eram feitos pela Igreja.
Na introdu­ção do Testa­mento, o tes-tador enco­menda a sua alma a Santís­sima Trinda­de, a Virgem Maria, ao san­to do seu no­me, ao santo de sua devo­ção e a "todos os Santos e Santas da Corte do Ceo rogo sejão os meus Inter­cessores". Além dos ape­los feitos aos santos, os tes­tamentos po­deriam ser um veículo de confissão, apontavam seus pecados, suas desleal-dades e dívidas, assim temos o testa­mento de José da Paixão, preto forro, falecido em Iguassú em 1797: "Declaro que sou natural da Costa da Mina efui cazado com Maria Pereira daqual não tive filhos - Declaro que tenho hum filho natural pornome Custodio havido de Lourença Maria Ramos ao 'qual instituo pormeu Herdeiro universal de tudo o que depois de pagas as minhas dividas, cumpridos os meus legados restar dos meus bens..." (Livro de Defun­tos da Matriz de Iguassú).
Para a gran­de maioria o destino de sua Alma seria o Purgatório, on­de aguardaria o seu julgamento. Somente os santos e puros de coração iriam direta-mente para o Céu. Restava para aqueles com pecados gravíssimos, o Inferno. As Almas do Purgatório tinham necessidade das orações dos vivos e da ajuda dos santos, mas também eram do­tadas de santidade, pois poderiam obter a purificação e ir para o Céu. Isso fez sur­gir a devoção e as missas para as almas. Temendo uma longa estadia no Purga­tório, tornou-se costume nos testamentos encomendar missas em intenção das Al­mas do Purgatório. O fazendeiro Alberto Pinheiro falecido em 1779 no seu testa­mento "declaro que deixo meya Capella de Missas pelas almas do purgatório que forem mais da minha obrigação, e assim mais deixo sedigão doze Missas pelas mais necessitadas Almas do Purgatório, declaro que se mande dizer doze Missas pelas Almas dos meos escravos". (Idem)
O fim dos Sepultamentos dentro das igrejas começou a ser debatido no início do século XIX, quando médicos influen­ciados pelas ideias sanitaristas surgidas na Europa, começaram a intervir nas po­líticas de saúde publica. Os corpos dos mortos eram considerados os principais causadores das epidemias que assola­vam o Rio e o Recôncavo. Portanto, era prioridade afastá-los do convívio dos vi­vos. Em 1833, a Regência cobrava das autoridades municipais o fim dos enter­ros dentro das igrejas, pois chegara ao seu conhecimento que na Freguesia de N. Sra do Pilar de Iguassú, "as febres continuavam a afligir os habitantes" e que a causa eram "as continuas exalações miasmáticas produzidas pelas sepulturas dentro do recinto dos templos".
Foi dentro dessa nova maneira de entender saúde, doença e morte que por volta de 1860, foi inaugurado o primeiro cemitério extra-muros (fora da igreja) de Iguassú. Anos mais tarde em 1875 é inaugurado o cemitério da Irmandade de N. Sra. do Rosário, hoje conhecido como "cemitério dos escravos".


Fonte: jornal CAMINHANDO - informativo da Diocese de Nova Iguaçu – ano XX – n.o 168 – novembro/2004- p. 10

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