ANTIGA VILA DE IGUAÇU


No final de 2010, o pesquisador Edson Macedo Ribeiro publicou, através do Grupo Amigos do Patrimônio Cultural, do qual é um dos fundadores, o primeiro - do que esperamos seja uma grande série – dos Cadernos de Estudo da Baixada Fluminense. O trabalho de Edson é composto por dois volumes: um com o texto que resultou de sua investigação e outro com mapas antigos, os quais foram o ponto de partida de suas pesquisas.

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A referência bibliográfica

Ribeiro, Edson Macedo. Uma viagem a Iguassú através da Cartografia E outras contribuições à história da “Villa”, in: Cadernos de Estudo da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: Amigos do Patrimônio Cultural, novembro de 2010, 136 p.

Ribeiro, Edson Macedo. Uma viagem a Iguassú através da Cartografia, Anexos in: Cadernos de Estudo da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: Amigos do Patrimônio Cultural, novembro de 2010, 10 anexos (mapas).


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A obra do historiador e pesquisador Edson Ribeiro é tão interessante e envolvente, principalmente para os que moram na Baixada e têm interesse na história local, que vi-me obrigado a apresentar neste blog o texto integral da obra, que trata da antiga Vila de Iguassu, hoje chamada de Iguaçu Velha, da página 92 à 104. Que seja apenas um "aperitivo" que conduza à leitura da obra integral.

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“A partir do entroncamento com a “Estrada da Corte” o trânsito de pessoas e animais aumentava. Chegamos então à sede da Freguesia, na praça onde se localiza a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade do Iguassú. Pizarro relata que a igreja havia sido construída em outro lugar mais distante. Vejamos então, acompanhar a evolução da Igreja a partir desses testemunhos:



Pizarro (Visitas Pastorais - 1794)



“Em uma simples capela do Alferes José Dias de Araújo, feita pelo povo, em terras do mesmo Alferes, foi estabelecida a cura, pelos anos de 1699... Pela ruína talvez em que caiu aquela capela, fez outra o mesmo povo em lugar pouco distante da primeira e em terras do mesmo dito Alferes e já Diogo Dias de Araújo, filho daquele...”. (Pizarro, José de Souza Araújo – Visitas Pastorais no ano de 1794 – pag. 49/50)
Não podemos identificar o exato local desta primeira capela
“Não sendo fabricada de matérias duráveis a mesma 2a Igreja, porque as suas paredes era de pau a pique, foi de necessidade que o mesmo povo tomasse a si a fatura de novo Templo, a que deu princípio, com a Capela Maior de pedra e cal, nos anos de 1764, e finalizou nos de 1796; em cujo tempo mandou o R. Visitador Duarte, que se mudasse para ela o SSmo. Sacramento: e talvez essa determinação fosse a causa principal, porque não se cuidou em continuar a obra do Corpo, conservando-se desde então até o presente tempo com as paredes mesma de pau a pique, que subsistem muito danificadas...”
Nos anos de 1792 mostrando o povo algum fervor pela construção do Corpo na mesma Igreja, deu-lhe princípio, e chegaram as suas paredes, também de pedra e cal, até a altura de mais de uma braça fora dos alicerces, em todo o perlongo da parte do Evangelho, e meia frente, ficando logo colocada em seu lugar destinado para a casa do Batistério, a Pia Batismal de pedra, feita nesta mesma cidade com bom risco, e perfeição. Persuadindo porém o mesmo povo, que em tempo breve, e com pouco custo se poderia concluir o todo desta obra também fundamentada; e vendo, que além dos seus projetos, não era possível suceder assim, entrou á cativar-se da frieldade, e como enfastiado de construir mais com as suas esmolas para a casa de Deus, e sua Matriz, fez parar a obra principiada.
(Pizarro, José de Souza Araújo – Visitas Pastorais no ano de 1794 – pag 49/50)
“Numa planície, circundada de pequenos morros, vê-se fundada esta igreja de N. Sra da Piedade, com frente para o rumo ESSE, e fundo para o WNW (pag 50)... Em formatura de uma praça acham-se formados ao redor da matriz 31 casas térreas, 1 de sobrado, em que reside o R, Vigário, 1 com meio sobrado no soto (sótão); todas, à exceção de 3, são cobertas de telhas, e fazem perspectivas de um bonito Arraial.” (idem)
Pizarro nos conta aqui a história da construção deste 2o templo, salientando que apenas a Capela Mor foi edificada em pedra e pau, sendo o corpo (ou nave – a parte onde ficam os fiéis) edificada em pau a pique, com parte das paredes de pedra e cal até a altura de cerca de 2 metros. Durante sua visita, um telheiro servia de corpo e o novo corpo estava em obra inacabada. Comparemos este relato ao do Presidente da Província, de 1839.


Paulino José Soares de Souza – Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro (1839)




"A crescente população e comércio da “Villa de Iguassú” reclamam um templo descente em lugar do indecoroso pardieiro em que hoje se exercem as funções paroquiais. O edifício atual tem unicamente a Capela Mor, com as paredes e telhado, sem trono e sem ornatos, o arco cruzeiro, bem como os encontros, estão fendidos. A torre e as paredes do lado do poente estão em alicerces, a sacristia e o consistório em completa ruína... Para a construção dessa Matriz sobre as ruínas da atual, da qual alguma coisa pode aproveitar-se, existe um auxílio de cinco contos de réis, produto de subscrições particulares, com que se tem comprado cantaria, pedra e outros materiais." (Relatório da Presidência da Província à Assembleia Legislativa - março de 1839-pág27)
Cerca de 50 anos após a visita de Pizarro, o corpo da igreja ainda não havia sido construído. A situação se agravava. Havia várias rachaduras no arco do cruzeiro e nos encontros. Não havia uma torre.



Daguirre Faro


(Relatório do Presidente da Província, 1849)



Informa que a Matriz de "Iguassú" é pequena e pouco decente e encontra-se em ruínas, além de ser longe da povoação.



Luiz Pedreira do Couto Ferraz (1853)



"Convencido da conveniência de mudar-se a sede da matriz da Freguesia da Vila de Iguassú para lugar mais cômodo aos povos, não mandei fazer os consertos que carece a igreja existente, a qual, como já informei a V. Exa em outra ocasião, além de muito arruinada e de não ter sido concluída, tem a desvantagem de ser acanhada e de estar longe da povoação". (Luiz Pedreira do Couto Ferraz, 1853, pag 30)
De fato, o local onde se localiza as ruínas da Igreja Matriz é distante daquele onde estão as ruínas da antiga Vila, às margens do antigo leito do rio Iguaçu. A referência "não ter sido concluída", esta ligada à informação de Pizarro, de que as paredes da nave principal não foram completamente acabadas quando foram levantadas para substituir as que existiam de pau a pique. Em 1855, informava um Relatório da Presidência da Província que a matriz achava-se em tal estado de ruína que precisava ser reconstruída (pag 26).


Relatório Presidente da Província 1857



"Por deliberação de 12 de junho nomeei uma comissão composta dos cidadãos Domingos José Fernandes Guimarães, José Pereira Loureiro, Francisco Pinto Duarte, Francisco Baíista e o Reverendo Pároco Antonio Teixeira dos Santos como presidente, para o fim de agenciar uma subscrição entre os moradores do lugar c com ela começarem uma nova matriz no centro da Vila, visto como a matriz atual, além de se achar em quase completo estado de ruína, é situada em um lugar ermo e fora da povoação. A comissão já me ¬participou haver conseguido 20:000$ RS e espera ainda obter mais, além do terreno para a edificação." (pag 84)
Pela descrição acima, confirmamos que o local onde se situava a matriz era dado como "ermo e fora da povoação". Isso nos dá a entender que as casas referidas por Pizarro já não existiam ou estavam abandonadas. O maior motivo do abandono tenha sido talvez a epidemia de cólera que atingiu a província e especialmente a região em 1855. Apesar disso, a área pouco mais afastada, onde se desenvolvia o comércio, continuava sendo habitada e frequentada.
Nesse mesmo ano o relatório do Vice Presidente informava que já havia sido adiantada uma quantia para reforma da matriz de "Iguassú" e seu novo cemitério. No ano seguinte outro relatório refere-se ao início de sua construção, para qual já havia sido determinada a consignação semestral de 7:000$.
Daí em diante os relatórios praticamente não citam a "Matriz de Iguassú". Acreditamos então que a construção foi efetuada por volta de 1858, no mesmo lugar de outrora, conforme podemos ver pelas plantas de Niemeyer. O local é ainda o mesmo onde estão atualmente suas ruínas.
Em 1888 abriu-se uma consignação de 10:000$000 para construção da Matriz. Acreditamos que essa tenha sido a última obra executada no templo e que deu a ele as formas que vemos nas fotos tiradas no início do século XX.



Vias Brasileiras de Comunicação -


Max Vasconcelos (acréscimo de 1947)



"Está hoje extinta a vila de Iguaçu. Dela nada mais resta senão a torre carcomida da velha igreja, emergindo dos campos, como um desarvorado mastro de navio naufragado emerge das águas, marcando o sitio do naufrágio."
Max Vasconcelos morreu em 1938. O texto acima foi retirado da 6a e última edição do livro "Vias Brasileiras de Comunicação", editado em 1947, e é a única das edições que traz o presente texto. Infelizmente a edição foi acrescentada e não consta a informação se o texto foi escrito por Max Vasconcelos ou pelo editor. Suas viagens pela região da Baixada ocorreram na década de 20 e a primeira edição de seu livro é de 1927. Dessa forma, informando o texto que apenas restava da igreja a torre, podemos concluir que as fotos em que ela aparece ainda com paredes são anteriores, pelo menos, ao ano de 1947.



A SEDE DA VILA




Vimos que a sede da Vila de Iguaçu ficava pouco afastada da sede da Freguesia, onde estava a Matriz. Alguns viajantes fazem referência àquela mas não citam esta. Vejam os então os relatos referentes à sede da Vila.


Saint Hilaire (1816)



"Não existe em Aguassu propriamente uma povoação; vêem-se unicamente algumas casas esparsas, a maioria das quais bastante afastadas uma das outras e várias delas construídas em volta de uma grande praça coberta de belíssima relva. Essas habitações, que não constam senão no rés-do-chão, são ocupadas por botequineiros, por negociantes de lojas bem sortidas, e que vendem ao mesmo tempo gêneros alimentícios e tecidos, e por ferradores, enfim, cujo ofício, é aí mais necessário do que qualquer outro, por causa da passagem contínua dos tropeiros de Minas Gerais que descem a serra.” (Saint-Hilaire 1816 — Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, Edição Itatiaia, 1974 - pag 19)
As duas principais estradas que conduziam à Freguesia nessa época eram as Estradas do Azevedo (ou Werneck) e uma das variantes do Caminho do Couto ou de Garcia Paes. Note-se que a Estrada do Comércio, que iria proporcionar grande surto de desenvolvimento para a Vila, ainda não estava concluída. Aqui o viajante refere-se ao local onde estavam os portos e casas de comércio, não fazendo alusão à Praça da Igreja Matriz, pouco distante dali.


Saint Hilaire (1822)




"O trecho que percorri até atingir Aguassu (sic) é menos habitado do que o que atravessei ontem. Coberto de mata, torna-se cada vez mais montanhoso. Aguassu, sede da paróquia, não é vila propriamente dita, mas conta algumas mercearias e armarinhos hem sortidos, bonitas vendas, algumas ferrarias que a constante passagem de mineiros tornam mais necessárias do que quaisquer outras oficinas. " (Segunda Viagem do Rio de janeiro a Minas Gerais e a São Paulo - pág. 18)
Apesar de o viajante estar claramente repetindo o que dissera em sua obra anterior, observa-se que a freguesia, que de fato só seria vila em 1833, tinha um aspecto bem modesto, diferente do relato que reproduzimos a seguir.



Daniel P. Kidder (por volta de 1840)




"Iguassú é atualmente a localidade mais próspera do recôncavo.... Há vinte anos passados esse lugar era insignificante e não contava mais que trinta casas. Aos poucos, porém, os fazendeiros do interior, foram se convencendo de que para eles era mais interessante descarregar em Iguassú o café, o feijão, a farinha de mandioca, o toucinho e o algodão; ... Por outro lado os negociantes estabeleceram aí depósitos de sal, produtos manufaturados, fazenda e vinhos, para mais facilmente servir aos lavradores. Assim é que o lugar se foi desenvolvendo rapidamente e agora é considerada como a vila mais próspera da Província do Rio de Janeiro, com uma população de cerca de mil e duzentos habitantes.
Certa ocasião o Sr. Spalding passou algumas semanas em Iguassú, na casa do nosso amigo Diogo com cuja colaboração, mais a do liberal e esclarecido vigário local pôs em circulação numerosos exemplares das escrituras.”
(Daniel Kider e S. Fletcher - O Brasil e os Brasileiros - pág. 28)
Daniel Kidder era americano, pastor protestante, e esteve no Rio de Janeiro em companhia de Fletcher e do Sr. Spalding com a missão de distribuir exemplares da bíblia. Quando esteve em Macacu (Santo António de Sá) conheceu dois jovens irmãos portugueses, Diogo, o mais velho e Manoel. Diogo estava no Brasil há 8 anos e residia em "Iguassú", onde dava aulas de português e latim. Logo foi travada amizade entre eles e o mesmo Diogo recepcionou o Sr. Spalding, conforme o relato transcrito acima. A ação dos missionários protestantes no Brasil foi apoiada por alguns liberais e membros da Maçonaria, sendo duramente combatida pela ala conservadora da Igreja Católica, denominados "ultramontanos". Vemos que o vigário de Iguaçu não fazia coro com os últimos, tendo inclusive ajudado a distribuir Bíblias protestantes, condenadas por sua religião. Por isso, Kider e Fletcher não pouparam elogios ao "liberal e esclarecido" vigário.
Vejam que o aspecto da Vila mudara, sendo responsáveis por essa mudança as estradas da Polícia e do Comércio, que tornaram a freguesia um importante entreposto de café e outras mercadorias.



Ribeyrolles (1858)



"Iguassú é uma rua comprida e mal calçada que à esquerda segue para o porto e à direita termina numa bifurcação. Aí se comprimem os armazéns, as construções, as casas dos consignatários que exportam para o Rio. É a bolsa, o mercado, o entreposto. É a vida de Iguassú. Consta de cerca de duas mil almas a população desse burgo-capital. As portas carunchosas, os tetos que desabam, os ratos e as andorinhas prenunciam os derradeiros tempos.
No porto o rio é estreito e baixo. Os cavaleiros da jarreteira poderiam passá-lo facilmente. Os barcos carregados são impelidos a vara até o mar.
A paisagem é triste. O morro é calvo. Nos dias quentes, as febres palustres devem correr a grandes sopros. A igreja mesma fica ao longe, pousada como uma tenda prestes a partir."
(Charles Ribeyrolles - Brasil Pitoresco- pág. 218).
O autor descreve o local como um viajante que desceu a Serra do Comércio, penetrando na área da Vila, onde a Câmara havia realizado as obras de calçamento de sua rua principal, segundo ele, mal calçada (o calçamento avançou os anos e se preserva até hoje). Qualquer caminho à esquerda conduziria ao rio Iguaçu, onde estavam os diversos portos (não apenas um), à direita, uma bifurcação, em frente chegava-se, após caminhar cerca de 7 quilômetros ao porto dos Saveiros e à direita, seguia-se em direção à estrada da Polícia, que bifurcava-se próximo ao "largo do lava-pés". Ribeyrolles confirma nesse depoimento que a igreja ainda permanecia pouco distante da Vila e sem movimento de pessoas ao seu sdor.
Vemos também que em 1858 a freguesia já não tinha um bom aspecto aos olhos do viajante. Em apenas 18 anos deixara de ser a "Villa mais próspera da Província" para ter "os tetos que desabam" e "os ratos e as andorinhas" prenunciando "os derradeiros tempos". Isso não poderia ser devido à Estrada de Ferro Pedro II, que estava sendo inaugurada naquele mesmo ano. Mais uma vez deve-se considerar a epidemia de cólera, acrescentando outras causas, como a construção da estrada de ferro do Barão de Mauá (1854), que partia das proximidades do porto da Estrela, e de outras estradas mais convenientes para o escoamento da produção da serra, chamadas "estradas normais", a partir de 1850.
Ribeyrolles morreu no Brasil e seu corpo está enterrado nu cemitério do Maruí, em Niterói.



Ministro Rodrigo Otávio, Juiz Municipal de Iguassú (por volta de 1890)



“Pouco tempo depois da minha chegada à antiga corte, fui mandado para Iguassú como Juiz Municipal. A poucas horas da ponta do Caju, pela estradinha do Rio d'Ouro, a vila de Iguassú era então um grande povoado morto. Constituída, principalmente, por uma rua larga sinuosa e longa, a vila tivera sua hora de prosperidade, atestada pelas grandes casas de sobrado e vastos armazéns alpendrados, tudo, então, fechado, sem moradores.... A vila se despovoou; os canais, desde então abandonados, se atulharam de vegetação e de lodo; as águas cresceram, cobriram todos os campos, tornando-os imprestáveis para qualquer cultura e encheram o ar de miasmas de impaludismo e da opilação, que assolavam a pobre gente que não se pode retirar. Era esse o Iguassú que encontrei ao tomar conta de minha judicatura. Só às quintas-feiras, dia de audiência, havia algum movimento na vila. A casa da Câmara reabria; além do pessoal do Foro, solicitantes e partes iam ao despacho do Juiz. E tudo depois caia no habitual silêncio.” (José Mattoso Maia Forte, Memória da Fundação de Iguassú, pag 65/66)
No site da Academia Brasileira de Letras encontramos a biografia do Ministro Rodrigo Octavio Langgaard Meneses, nascido em Campinas, SP, em 11 de outubro de 1866, e falecido no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de fevereiro de 1944. Publicou várias obras, entre as quais Coração Aberto, poesia (1928), da qual Mattoso Maia Forte extraiu o relato acima descrito. Curioso é que nenhuma de suas biografias encontrada faz referência a sua atuação como Juiz da Comarca de Iguaçu. Pelos dados constantes na biografia consultada, é possível concluir que ele foi Juiz em Iguaçu no início de sua carreira, o que teria ocorrido por volta de 1890 (formou-se em 1886, aos 20 anos de idade e em 1894 era secretário da Presidência da República).
Em 1891, a sede da vila seria transferida para Maxambomba, próxima à Estação da Estrada de Ferro D. Pedro II, mais tarde Nova Iguaçu. A antiga Vila seria, a partir daí chamada pelos populares de "Vila de Cava", como veremos mais abaixo.



Max Vasconcelos (década de 20)




"O despovoamento da vila se foi operando aos poucos; os canais e os rios, agora inúteis, atulharam-se de lodo, encheram-se de miasmas.
Quando perdeu os foros de sede do município, Iguaçu deixou-se dominar completamente pelo desalento; as ruas cobriram-se de mato e os prédios, abandonados, transformaram-se em ruínas. Atualmente, nem mesmo essas ruínas existem; os moradores das localidades vizinhas aproveitaram-nas para novas construções. Em Iguaçu não ficou pedra sobre pedra.
Está hoje extinta a vila de Iguaçu. Dela nada mais resta senão a torre carcomida da velha igreja, emergindo dos campos, como um desarvorado mastro de navio naufragado emerge das águas, marcando o sítio do naufrágio."



Hildebrando de Góes


(1946 - à época prefeito da cidade do Rio de Janeiro)



"... a antiga Vila de Iguassú que é atualmente mato fechado. Em uma excursão feita a essa região, tivemos oportunidade de observar uma rua antiga da cidade, cujo calçamento de pedras irregulares o tempo não conseguiu ainda destruir. Esta rua também está sendo, aos poucos, integrada ao seio da mata que a margeia de ambos os lados e encoberta pela vegetação que se desenvolve nos intervalos das pedras. Nela encontram-se vestígios da cadeia pública, representada pela fachada anterior, quase despercebida no meio do mato, tão denso que está atualmente. A fazenda de São Bernardino atesta, de algum modo, pela sua importância, os dias de esplendor que esta região já teve. " (Relatório de Saneamento da Baixada Fluminense)
Deste relato devemos tecer algumas considerações. Hildebrando de Góes não descreve nem a torre da igreja nem o porto de pedra, com sua majestosa escadaria. Quanto à igreja, deve-se provavelmente ao fato dele não ter ido àquela região que, como sabemos, é afastada da vila. Em relação ao porto, é de causar-se estranheza seu silêncio. O engenheiro deve ter feito uma breve excursão ao local, sem demorar-se muito e sem ater-se aos detalhes. Descreve as matas cobrindo a estrada e não se refere a outras construções, como as ruínas da casa velha no entroncamento da "Estrada dos Ferreiros". Pode ser que este tenha vindo do lado do rio Iguaçu, entrando na área pela encosta do chamado "Morro da Cadeia", tendo chegado ao local onde encontramos as pedras da soleira de entrada de um edifício que se convencionou chamar de Câmara e Cadeia, no sítio do Sr. Alan Lucena, e retornou dali. Pode também ter vindo da direção da atual Estrada Zumbi dos Palmares (RJ 111) e, tendo visto as pedras no chão próximo ao "largo dos ferreiros", semelhantes às que existem no sítio anteriormente referido, ou as grossas paredes de pedra e tijolo que se encontra na encosta do chamado "Morro do Vítor", acreditando tratar-se da Cadeia Pública e dali retornou. Salentamos que o que o Coronel (já em idade avançada) chamou de "Morro do Vítor", os moradores locais chamam de "Morro da Cadeia". De qualquer forma, ficam as dúvidas e a estranheza da omissão do escritor em relação a pontos importantes.



O viajante de hoje (2010)



Hoje, quem visita a região não deixará de se surpreender como os viajantes do passado. Começando pela freguesia, o local onde estava a Igreja Matriz. Ao sair da RJ 111 o que se vê é apenas sinal do abandono dos tempos. O mato, pequenas árvores e lixo quase fecham o caminho. Mas logo o visitante tem uma grata surpresa. Num descampado à beira do caminho desponta a velha torre solitária, à sua frente os muros do antigo cemitério da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de 1875, chamado pelos populares de "cemitério dos ricos", ao fundo um morro com o cemitério ainda em uso, denominado pelos populares de "cemitério dos escravos". Pelos documentos históricos, pela planta da "Villa" elaborada por Niemeyer e por fotos antigas, sabemos que a igreja tinha sua frente voltada para o SSE, como afirmava Pizarro. À esquerda, um estreito caminho coberto de mato e arbustos nos conduz ao "largo do lava-pés", no entroncamento da Estrada da Polícia. Quanto ao casario descrito pelos antigos viajantes, nenhuma marca visível, mas basta cavar um pouco o solo para depararmos com cacos de telhas, pedaços de tijolos maciços e peças de louça e ferro e até mesmo alicerces inteiros que permitem desenhar os cómodos das casas. Muitas outras marcas do passado estão presentes aqui e ali, para os mais atentos, desafiando aqueles que buscam remontar sua história.
No local da antiga vila o porto é o que mais se destaca. Localizado numa depressão, no leito do antigo riacho do Lava Pés, que se juntava ao "do Brejo" (ou "Cabembé") mais adiante e iam desaguar no rio Iguaçu, um pouco mais afastado. Próximo a ele algumas construções menores como duas pontes em arco de cantaria e tijolos maciços sobre um braço do mesmo riacho. Uma porteira conduz à casa do atual morador daquela paragem, o Sr. Alan Lucena. Mais adiante restos de colunas de pedra no chão e da soleira de uma porta que dizem, seriam da fachada da cadeia pública, o que faz sentido, visto estar localizado em frente ao antigo "Morro da Cadeia". Mais abaixo teceremos alguns comentários cobre o porto, bem como sobre a Câmara e Cadeia.
Quase em frente ao porto, em volta da casa do Sr. Alan, marcas um piso antigo. Provavelmente do Armazém Soares e Melo. A planta Niemeyer do projeto do Canal do Otum indica naquele exato ponto o nome de "Francisco José Soares", o que coincide com a informação prestada pelo Coronel Alberto a Waldick Pereira, como veremos adiante.
Quanto à estrada calçada de pedra, ainda está lá, indo em direção à mata. Afastando-se dali, seguindo a beira do Rio Iguaçu (ali retificado), é possível ver-se à direita de quem sai da RJ 111, após um pequeno morro, uma vasta depressãao do terreno, onde outrora corria o leito original do Iguaçu e onde, à sua margem direita, estavam os trapiches e portos de pedra, cujas ruínas ainda podemos visitar.

3 comentários:

Paulinholeopoldo@gmail.com disse...

Parabéns pelo belíssimo trabalho. Recomendável sempre.Estou anexando a
www.colegioleopoldo.org.br

Simone Grund disse...

Seria ótimo se todo o conjunto fosse preservado e transformado em parque de visitação. lugar de grande importância histórica para o Rio de Janeiro...Conta a história do nosso Brasil.

Italo Infantini disse...

O Alferes José Dias de Araújo, pai do Diogo Dias de Araújo c. c. Marcela de Cabral Queiróz, é meu decavô.

Muito bom o texto. Parabéns!